por paulo eneas
O resultado das eleições municipais do último domingo correspondeu em grande parte ao que havíamos antecipado aqui no Crítica Nacional no que diz respeito ao desempenho da direita: um conjunto de fatores levou à derrota da direita nas principais cidades, interrompendo assim o ciclo de ascensão que ela vinha observando desde aproximadamente 2013 e que teve seu auge em 2018 com a eleição do Presidente Bolsonaro.
Na edição da sexta-feira (13/11) do Jornal Crítica Nacional fizemos uma análise prognóstica do provável desempenho da direita no pleito que ocorreria no domingo seguinte. Trecho daquela edição do jornal pode ser visto no vídeo abaixo, cujo resumo foi apresentado no artigo A Direita Brasileira Pode Ter Um Desempenho Abaixo Do Esperado Nas Eleições Municipais, publicado no dia da eleição um pouco antes do fechamento das urnas.
Infelizmente, o prognóstico que apresentamos veio a confirmar-se: a direita saiu derrotada nas urnas e o Centrão e o PSOL saem como grandes vencedores. No caso dos tucanos, a despeito da redução substantiva no número de prefeituras que o partido controla, o fato inegável é que a possível vitória de Bruno Covas na disputa no segundo turno na capital paulista com Guilherme Boulos (PSOL) representará a mais importante vitória tucana, o que irá trazer bônus político óbvio para João Doria, o principal inimigo político do Presidente Bolsonaro.
O resultado da eleição suscitou também a volta da discussão sobre nosso sistema eleitoral, em especial o uso da urna eletrônica e a apuração secreta, temas que ficaram em segundo plano ou praticamente abandonados nos últimos dois anos, para somente serem lembrados agora no momento da eleição, quando ficou patente mais uma vez a falta de transparência desse sistema, o que suscita dúvidas legítimas e pertinentes quanto à sua lisura.
Fraude eleitoral e erros estratégicos
É evidente que há razões de sobra para suspeitar-se da ocorrência de fraudes. A não transparência do processo eleitoral, a interrupção por mais de duas horas na divulgação dos dados da apuração logo após o seu início, as inúmeras denúncias de compra de votos em várias cidades, a votação surpreendentemente alta de Guilherme Boulos na capital paulista, o desempenho pífio da maioria dos candidatos a vereador genuinamente conservadores, entre outros, tornam legítimos todos os questionamentos quanto à lisura do pleito e aos seus resultados.
Por outro lado, temos que reconhecer que a direita não descobriu agora o problema das urnas eletrônicas e da apuração secreta. Esse problema surgiu ainda em 2006, quando a reeleição de Lula em meio ao escândalo do Mensalão deu origem aos primeiros questionamentos mais fundamentados sobre nosso sistema eleitoral.
Este problema deveria ter sido enfrentado já a partir de janeiro de 2019 quando o governo deveria ter adotado prioritariamente a pauta da reforma do sistema eleitoral, por meio da apresentação de uma PEC robusta propondo alterações no sistema. Esta PEC seguramente contaria com o apoio de milhões de pessoas, que estariam dispostas a ir às ruas manifestar apoio à proposta.
Mas em vez de seguir por esse caminho, que seria o mais importante como forma de assegurar a lisura das disputas futuras, o governo optou por não fazer esse enfrentamento, adotou o discurso da “pacificação em nome da governabilidade” que logo desaguou na aliança com o Centrão e no afastamento do governo de sua base conservadora.
O coroamento desse processo foi a indicação de Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal, indicação esta que resultou desse acordo com o Centrão que, por sua vez, até agora ofereceu um único resultado relevante para o governo no Congresso: a aprovação do nome do próprio Kassio Nunes no arremedo de sabatina no Senado Federal.
É sabido que a natureza totalmente obtusa de nosso sistema eleitoral constituiu-se, ao lado do ativismo judicial, em uma das grandes ameaças à democracia brasileira. No entanto, isso não pode servir de desculpa para a direita deixar de reconhecer seus erros, pois o problema com o sistema eleitoral não foi “descoberto” na eleição do último domingo.
O fato é que a persistência deste sistema eleitoral, passados dois anos de governo de um presidente de direita com amplo respaldo popular, reflete o conjunto de erros que a direita vem cometendo desde que acomodou-se com a vitória obtida na última eleição presidencial. A fatura deste acomodamento foi exibida na eleição do último domingo.
A autocrítica necessária e quem precisa fazê-la
Após a eleição, o termo “autocrítica” ganhou espaço no repertório da direita, ainda que na sua origem o termo venha de uma matiz esquerdista: a esquerda usa da autocrítica para julgar-se a si mesma pelos seus crimes e em seguida inocentar-se.
É evidente que a direita precisa fazer essa chamada autocrítica, mas ela precisa ser feita primeiro pelos estrategistas que vem definindo os rumos erráticos do governo na articulação política, especialmente ao longo desse ano. A direita brasileira e o movimento conservador, na sua vertente política, não estão dissociados do governo e têm no Presidente Bolsonaro sua figura de maior expressão e sua liderança.
Portanto, o que o Governo Bolsonaro faz ou deixa de fazer impacta e afeta diretamente, hoje, os rumos da direita nacional. E tentar negar esse fato é negar a realidade. As decisões políticas tomadas pelo governo nesses dois anos resultaram no abandono da pauta pela reforma do sistema eleitoral, e na ausência de um partido político próprio com uma estratégia conservadora nacional para as disputas municipais.
Resultaram também na incapacidade de a direita, especialmente os conservadores, exibir candidatos próprios viáveis para as prefeituras das principais cidades, como ficou evidenciado no drama agora vivido pelos eleitores paulistanos.
Resultaram na dispersão dos candidatos a vereador, assim como resultaram na ausência de “puxadores de votos” expressivos que fortalecessem as candidaturas às vereanças, bem como resultaram no baixo engajamento da militância.
As suspeitas e evidências de fraudes são inúmeras, sendo necessário levar as investigações às últimas consequências. Mas esse fato em si não pode eximir a direita e os conservadores da necessidade de uma exame crítico das estratégias (ou ausência delas) adotadas para esta eleição e identificar os erros.
E o principal erro ao nosso ver foi justamente aceitar jogar de acordo com as regras do jogo, regras estar que incluem o uso da urna eletrônica e a apuração secreta, quando o correto seria justamente ter usado todos os meios institucionais e de pressão política ao alcance, ao longo destes dois anos, para mudar estas regras.