por ernesto araújo
Como sempre prezei pela transparência acerca de minha condução da política externa brasileira, gostaria de oferecer aqui uma apanhado das principais realizações e linhas de ação de meu trabalho à frente do Itamaraty.
Neste período de dois anos e três meses, procurei estruturar e implementar a política externa do Presidente Jair Bolsonaro. Ao Presidente, manifesto gratidão profunda por haver-me permitido participar daquilo que era um grande projeto libertador e patriótico, o seu projeto de transformação e redenção nacional, erguido nos braços do povo contra um velho sistema de concentração de poder e riqueza nas mãos de uma elite política antipopular.
Tive a inestimável colaboração de grande parte dos servidores do MRE, por cuja dedicação e lealdade sou profundamente grato. Quero agradecer em especial à minha mulher, Maria Eduarda de Seixas Corrêa, também diplomata de carreira e que sonha comigo o sonho de um novo Brasil. Agradeço a todos os que – no próprio Itamaraty mas também no Planalto, notadamente na Assessoria Internacional, e em outros órgãos do Executivo – remaram e navegaram comigo no mesmo barco, no mesmo rumo, o rumo da liberdade e grandeza do Brasil, e que não se esconderam no porão durante a tempestade, nem remaram em sentido contrário tentando levar o navio de volta ao porto confortável da mediocridade.
Falarei sobre as realizações na primeira pessoa, mas obviamente trata-se de uma obra coletiva, da qual me orgulho de haver estado na liderança.
Consegui acordos de todos os tipos com União Europeia, Estados Unidos, Japão, Israel, Índia, EFTA, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Marrocos, Chile, Uruguai, Paraguai, Polônia, Hungria e outros. Impulsionei as negociações com Canadá, Coreia do Sul, Singapura e Líbano, e abertura de tratativas com Vietnã e Indonésia. Abri relações estratégicas com Reino Unido e Austrália.
Coloquei o Brasil a um passo de iniciar o processo de adesão à OCDE, dentro da visão de acelerar e consolidar as reformas estruturais necessárias ao estabelecimento de uma economia moderna, eficiente, sustentável e livre da corrupção.
Promovi a aproximação do Brasil com a OTAN, elemento potencialmente fundamental para nossa recapacitação na área de defesa e para a projeção de poder, indispensável a um país democrático e soberano das dimensões e responsabilidades do Brasil.
Recebi em visitas oficiais – bilaterais ou em eventos sediados pelo Brasil – os Chanceleres da África do Sul, Alemanha, Angola, Argentina, Bolívia, Chile, China, Colômbia, Emirados Árabes, Estados Unidos, França, Honduras, Hungria, Índia, Japão, Marrocos, Paraguai, Peru, Polônia, Rússia, Suíça, Togo, Uruguai e do governo legítimo da Venezuela. Tinha programadas visitas dos Chanceleres da Espanha, Reino Unido e Turquia.
Visitei cerca de 30 países onde me encontrei com os respectivos Chanceleres e outras autoridades.
Mantive centenas de horas de reuniões por videoconferência e à margem de reuniões multilaterais com estes e muitos outros, entre os quais gostaria de destacar os Chanceleres da Arábia Saudita, Austrália, Bahrein, Cabo Verde, Canadá, Egito, Equador, Eslovênia, Estônia, Guatemala, Guiana, Itália, México, Moçambique, Nigéria, Noruega, Países Baixos, Portugal, Senegal, Singapura, Suriname e União Europeia.
Conduzi a presidência brasileira do BRICS ao longo de 2019 que logrou resultados expressivos na área de inovação e cooperação científica e facilitou a abertura dos fluxos de capital do banco do BRICS destinados ao Brasil.
Conduzi igualmente a Presidência Pro-Tempore brasileira do Mercosul no segundo semestre de 2019, que culminou aquele que foi considerado o ano mais produtivo da história do Mercosul.
Representei o Brasil em dezenas de reuniões multilaterais, onde sempre levei a mensagem da necessidade de bom funcionamento dos organismos internacionais como espaço de coordenação e cooperação entre nações soberanas, e não como agências “superiores” aos Estados membros incumbidas de ditar normas para toda a humanidade.
Sustentei sempre que a nação é o espaço natural de exercício da liberdade humana e desdobramento do potencial profundo de criação e realização pessoal de cada indivíduo. A nação é necessária para dar significado à vida individual e coletiva. O mundo sem nações seria um mundo de opressão e pobreza.
Após concluir a negociação de um acordo comercial histórico entre o Mercosul e a União Europeia, cujas negociações não avançavam há 20 anos, dediquei-me intensamente a abrir com os europeus negociações de um instrumento adicional que permita levar à ratificação do Acordo, garantindo sempre o total engajamento do Brasil em cooperar em toda a temática ambiental de interesse mútuo.
Em parceria estreita com o Chanceler Francisco Bustillo do Uruguai iniciei o projeto de reestruturação do Mercosul como plataforma negociadora capaz de realizar o sonho de um Mercosul integrado ao mundo.
Lancei as bases para um novo relacionamento com a América Central e o Caribe, com visitas produtivas à Guatemala e Honduras e o início de uma parceria diferenciada com a República Dominicana.
Abri novo relacionamento com a Guiana e o Suriname e lancei a ideia de um Arco Norte de integração econômica e energética entre as Guianas e o Norte do Brasil, além de incrementar a cooperação em segurança com esses países.
Contribuí, por meio da reestruturação do setor de promoção comercial do Itamaraty e da gestão da APEX como Presidente de seu Conselho de Administração, para que a balança comercial batesse recorde em 2020 e para ingresso expressivo de investimentos produtivos estrangeiros, com grande incremento em 2019 comparado a 2018 e performance destacada em 2020 e início de 2021, apesar da pandemia.
Especificamente determinei que a APEX e a área de promoção comercial do Itamaraty desenvolvessem intenso trabalho de inteligência de investimentos para captar em benefício do Brasil investimentos que começaram a deslocar-se rapidamente no mundo após o início da pandemia.
Sob minha orientação, o Brasil assumiu liderança na reforma da OMC, com propostas sobre temas fundamentais para a economia brasileira como a eliminação de subsídios industriais e agrícolas, facilitação de investimentos, comércio eletrônico e negociações sobre pesca. Iniciamos a adesão ao Acordo de Compras Governamentais, formado por grande número de membros da OMC e que barateará as licitações e ajudará a eliminar a corrupção.
Introduzimos com os EUA proposta inovadora para que a OMC volte a respeitar os princípios da economia de mercado, avanço essencial para que a organização crie um ambiente limpo de distorções estatais e de práticas abusivas.
Na questão das vacinas e combate à Covid, determinei que o Brasil trabalhasse sempre pelo acesso equitativo a vacinas, insumos e outros produtos necessários ao combate à pandemia, e especificamente que ajudasse na construção de uma solução de consenso sobre quebra ou suspensão de patentes que aumente efetivamente a disponibilidade de vacinas em todo o mundo – uma vez que a proposta maximalista apresentada pela Índia revela-se inviável diante da resistência de muitos membros.
A determinação de trabalhar por uma “terceira via” com um grupo de países e com a Diretora-Geral da OMC, agora oficializada, já havia sido tomada e anunciada por mim.
Estabeleci diálogo com empresários de todos os setores e regiões do Brasil, procurando conhecer a situação específica de cada setor e contribuir para desenhar iniciativas apropriadas a cada um. Prestei especial atenção tanto ao agronegócio – havendo elevado a um patamar sem precedentes, em termos de organização e prioridade, a atuação do MRE e da APEX no apoio a esse setor – quanto ao setor industrial, enfraquecido durante mais de vinte e cinco anos por um processo de desmantelamento ocasionado, em grande parte, por opções comerciais equivocadas de sucessivos governos.
Preocupei-me em desenhar uma política comercial que atendesse tanto ao objetivo de abertura de novos mercados para a agricultura quanto de atração de investimentos produtivos e inserção competitiva da indústria brasileira nas cadeias globais de valor.
Impulsionei não só as parcerias benéficas ao nosso agronegócio, mas também aquelas parcerias com países vitais para nossa recapacitação industrial na alta tecnologia e nos serviços de ponta, com os grandes investidores na área industrial, pois sem uma indústria avançada e integrada ao mundo jamais teremos a economia moderna e competitiva, com empregos de qualidade e oportunidades para todos, da qual os brasileiros precisam e pela qual há tanto tempo esperam.
Lancei novas iniciativas no quadro da diplomacia da inovação com vistas a promover o potencial inovador de empresas e indivíduos brasileiros, em parceria com grandes centros tecnológicos e geradores de startups. Determinei a transformação da área de Ciência e Tecnologia do MRE em um mecanismo de promoção tecnológica, ligado às necessidades do setor produtivo nacional, espelhado na promoção comercial.
Atuei sempre com grande atenção para as regiões de fronteira, seus desafios e especialmente as oportunidades oferecidas pela integração fronteiriça com os países vizinhos. Nesse sentido trabalhei em favor de várias iniciativas de infraestrutura e facilitação do comércio e trânsito fronteiriço capazes de beneficiar inúmeros estados de fronteira, por exemplo entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai (várias iniciativas de facilitação e infraestrutura); Rio Grande do Sul e Argentina (facilitação de trâmites, pontes, apoio à hidrovia do Rio Uruguai); Santa Catarina e Argentina (igualmente apoio àquela hidrovia); Paraná e Paraguai (apoio à construção da nova ponte sobre o Rio Paraná, facilitação da circulação fronteiriça); Mato Grosso do Sul e Paraguai (trabalho em favor da ponte sobre o Rio Paraguai e ligação com o corredor bioceânico, conectando o Centro-Oeste brasileiro com Paraguai Argentina e chegando aos portos do Chile); Rondônia e Bolívia (apoio à facilitação de trânsito fronteiriço); Acre e Peru (incentivo ao projeto de nova rodovia, negociações para liberalização comercial); Roraima e Guiana (apoio à ligação rodoviária até Georgetown).
Obtive um acordo com os Estados Unidos no setor do etanol e açúcar que rendeu 40 milhões de dólares ao Brasil em exportações de açúcar aos EUA e apenas 800.000 dólares aos EUA em exportações de etanol ao Brasil, o que se pode considerar um bom negócio para o setor sucroalcooleiro brasileiro.
Lancei as bases para uma negociação mais ampla nesse setor, com vistas a transformar o etanol numa commodity mundial em cooperação com os Estados Unidos. Obtive também um acordo para que o Brasil preservasse 90% de sua quota de aço no mercado dos EUA, em lugar de perda total dessa quota.
As negociações que conduzi permitiram, igualmente, evitar que o Brasil perdesse os benefícios do Sistema Geral de Preferências (SGP) americano, que favorece mais de 2 bilhões de dólares de exportações brasileiras. Concluí três acordos regulatórios com os Estados Unidos que facilitarão os investimentos americanos no Brasil e que seguem as melhores práticas internacionais de combate à corrupção.
Visitei e recebi centenas de vezes a Deputados e Senadores, organizei inúmeras reuniões e almoços de trabalho com esses parlamentares, participei também de inúmeros eventos e audiências no Senado e na Câmara, explicando a nossa política externa, fornecendo todo o tipo de informações e acolhendo ideias para diferentes iniciativas. Procurei sempre atender às demandas legítimas dos parlamentares, notadamente no auxílio a brasileiros no exterior, na promoção de exportações, na atração de investimentos e na melhoria da infraestrutura com países de fronteira.
Sob minha gestão à frente do Itamaraty, o Brasil foi eleito para o Conselho de Direitos Humanos da ONU com votação superior à da última eleição desse tipo. Naquele Conselho e em todos os foros, também por minha iniciativa, o Brasil passou a defender abertamente o direito à vida, a liberdade de pensamento e de expressão, a liberdade religiosa, as liberdades democráticas, convicto de que esses elementos fundamentais da dignidade humana (inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos) não são simplesmente uma “pauta de costumes”.
Lancei a campanha para a eleição do Brasil a uma das vagas não-permanentes do Conselho de Segurança da ONU para o biênio 2022-2023 e obtive o apoio de inúmeros países a esse pleito, garantindo virtualmente o ingresso do nosso país naquele que é visto por muitos como o mais importante fórum internacional. Ao mesmo tempo, trabalhei para dinamizar o G-4 (composto por Brasil, Alemanha, Índia e Japão), grupo de países que pretendem ingressar como membros permanentes no Conselho de Segurança, visando sempre os melhores resultados para a soberania nacional.
Graças a iniciativas minhas de obtenção de recursos e formação de uma equipe exclusivamente dedicada, com trabalho que mobilizou toda a rede de postos no exterior, realizamos a maior operação logística, consular e humanitária da história do Itamaraty e repatriamos mais de 38.000 brasileiros desde o início da pandemia, muitos dos quais se encontravam em condições de desvalimento no exterior.
Impulsionei e orientei o fornecimento de cooperação a inúmeros países que sofreram catástrofes naturais ou outros acidentes, como Guatemala, Líbano e Moçambique. Dinamizei a cooperação técnica do Brasil através da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculando esse trabalho também à consecução de objetivos comerciais e econômicos. Iniciei a consolidação do Itamaraty também como um Ministério da Cooperação Internacional, como todos os grandes países possuem.
Incentivei a diplomacia cultural através dos trabalhos para criar o Instituto Guimarães Rosa destinado a organizar e incrementar a cultura brasileira e as indústrias criativas brasileiras no exterior, também a exemplo dos grandes países do mundo.
Abri a FUNAG e o Instituto Rio Branco a novas correntes de pensamento, principalmente ao pensamento conservador, antes completamente ausente desses espaços. Criei um curso de clássicos no Rio Branco onde os novos diplomatas discutem os 30 séculos de filosofia e literatura ocidental dentro de sua formação diplomática.
Renovei a grade curricular do Instituto Rio Branco para dar-lhe ao mesmo tempo mais praticidade e mais profundidade intelectual. Segui a convicção de que o bom diplomata deve estar em diálogo permanente com os filósofos e pensadores de todas as eras, e não apenas com os “especialistas” em relações internacionais, que em muitos casos têm um pensamento extremamente superficial, baseado em conceitos precários, quando não são simplesmente lobistas disfarçados trabalhando por interesses específicos.
Estabeleci o seguinte princípio: se o Brasil deseja ser livre e democrático, com economia capitalista avançada fundada na livre iniciativa e no investimento privado, e não no estatismo, não no controle social, não numa organização totalitária, precisamos colocar o nosso eixo de relacionamento na parceria com grandes nações livres e democráticas.
Dei forma e conteúdo a uma verdadeira aliança Brasil-Estados Unidos, conforme a determinação do Presidente Jair Bolsonaro, durante a Administração Trump nos EUA, e lancei as bases para a continuação desse processo com a Administração Biden.
Jamais promovi qualquer “alinhamento automático” aos Estados Unidos. Não embarcamos em sequer uma única iniciativa com os Estados Unidos que não correspondesse à racionalidade dos interesses brasileiros.
Todas as iniciativas que tomamos com os EUA contribuíram para o incremento dos investimentos e do comércio, para o aumento de nossa capacidade tecnológica, para nosso desenvolvimento na área de defesa, para o combate ao crime organizado e ao terrorismo em nossa região, para a promoção dos nossos valores básicos como o direito à vida e a liberdade religiosa, para nosso acesso a grandes foros internacionais, para a construção de um mundo que seja favorável à democracia e à liberdade.
Eliminamos o “desalinhamento automático” com os EUA, que, este sim, compôs a política externa brasileira por décadas e nos custou a perda de gigantescas oportunidades econômicas e políticas. Abandonei a concepção que via os Estados Unidos como uma espécie de inimigo da América Latina e a substituí por uma visão dos EUA no papel de aliado indispensável da América Latina em nossa busca de democracia, prosperidade e segurança. Opinei que o mundo de hoje continua a precisar dos Estados Unidos como superpotência da liberdade.
Estabeleci diálogo realista e produtivo com a Rússia, país que sigo acreditando ter, junto com o Brasil e outros parceiros, grande responsabilidade em preservar os valores civilizacionais do Ocidente, dos quais compartilhamos.
Desenhei uma nova e muito mais profunda relação Brasil-Índia, consubstanciada nos 15 acordos assinados na visita do Presidente Jair Bolsonaro a Nova Delhi, criando aquilo que o Embaixador da Índia qualificou como “uma das parcerias definidoras do Século XXI”.
Mantive relações produtivas com a China evitando atritos em torno das questões de Hong Kong, Taiwan e uigures, que hoje opõem a maioria dos países democráticos do mundo à China. Organizei a visita presidencial à China e o recebimento pelo Presidente Bolsonaro da visita do Presidente Xi ao Brasil, com resultados palpáveis para o Brasil. Mantive interlocução fluida com o Chanceler chinês.
Jamais surgiu nesse período qualquer problema comercial com a China com raízes políticas, tanto assim que as exportações brasileiras para a China aumentaram em 2019 e 2020. Obtivemos acesso a novos produtos agrícolas no mercado chinês. O Brasil foi – como reconheceram autoridades chinesas – o país do mundo que mais recebeu vacinas e insumos de vacinas contra a Covid fabricados na China.
Ao mesmo tempo, em diferentes oportunidades, tive de exigir da Embaixada chinesa em Brasília o respeito ao Brasil e suas leis, após ofensas dirigidas pelo Embaixador da China ao Presidente da República e questionamentos da liberdade de expressão vigente do Brasil, inclusive com ameaças contra cidadãos brasileiros que proferissem ideias consideradas prejudiciais à China – comportamento absolutamente inaceitável por parte de um representante diplomático e pelo qual, em circunstâncias análogas, governos de vários países têm também repreendido, duramente, Embaixadores chineses.
Pautei-me pelo seguinte princípio: o fato de ter um determinado país como principal parceiro comercial do Brasil, seja ele a China ou qualquer outro, não requer de forma alguma, nem justifica, que ofereçamos a esse país o direito de intervir nas nossas instituições, limitar a liberdade de expressão no Brasil e outras liberdades fundamentais, ou determinar nossas decisões estratégicas.
Pautei-me também pela observação, absolutamente realista, de que a China possui hoje ambições de expansão mundial de sua influência política e ideológica através da projeção do poder econômico e tecnológico, realidades que necessitam ser levadas em conta por um país como o Brasil, cujo sistema político difere inteiramente do sistema chinês.
Abandonei a ideia – ingênua ou mal-intencionada – de que a atuação internacional de um país e a sua estrutura sociopolítica interna são mutuamente indiferentes. Rechacei a percepção, igualmente inadequada, de que a projeção econômica de um país nada tem a ver com a projeção de seu sistema político.
Por tudo isso construí, em minha gestão, uma política, não de afastamento em relação à China, mas de objetividade e cautela; consciência dos efeitos do modelo chinês para o mundo e para o Brasil; respeito ao direito da China de ter a sua estratégia de projeção mundial mas, ao mesmo tempo, preservação do direito do Brasil de não atrelar-se a essa estratégia; e defesa da nossa dignidade, sempre buscando promover interesses concretos e legítimos no relacionamento com a China.
Construí uma relação completamente nova do Brasil com Israel e também com vários países árabes, preparando inclusive as condições para a mudança pacífica da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, se e quando assim for determinado pelo Presidente da República. Uma amizade especial com Israel, de enorme significado econômico e tecnológico, mas também sentimental, passou a fazer parte do patrimônio de nossa política externa.
Eliminei o reflexo anti-sionista (uma forma de anti-semitismo) do nosso repertório de política externa. Criei as condições para o ingresso do Brasil na Aliança pela Memória das Vítimas do Holocausto.
Abri relações sem precedentes com os países do Golfo, que estão entre os maiores investidores do mundo e podem abrir em favor do Brasil, como já estão abrindo, novos fluxos financeiros e novos mercados.
Criei uma nova relação com os países da Europa do Leste que defendem a sua soberania e identidade – Hungria, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Ucrânia, Geórgia – ao mesmo tempo obtendo com eles resultados econômicos concretos, como a venda do avião KC-390 à Hungria.
Concebi uma nova relação Brasil-África baseada na integração econômico-comercial e cooperação pela segurança e combate ao crime, bem como na herança histórica e nos valores comuns. Lancei a ideia de “Brasil país africano” como cerne de uma nova ligação com a África, tanto através de iniciativas bilaterais, quanto de processos com organismos sub-regionais africanos, quanto ainda por uma aproximação com a União Africana e com o novo Acordo de Livre Comércio pan-africano.
Tive presente que a África é o continente que mais cresce econômica e demograficamente no mundo, e que nossos vínculos especiais com todas as nações africanas são fundamentais para a projeção do Brasil e nossos interesses.
Incrementei a participação do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, onde assinamos um Acordo de Mobilidade para facilitar o trânsito dos nacionais desses países entre eles.
Ajudei a criar o PROSUL, um novo instrumento de integração sul-americana baseado no primado da democracia e abertura econômica. Lancei o princípio de que a democracia não é uma ideologia e de que é necessário um alinhamento do Brasil aos países democráticos da região juntamente com um trabalho para promover a democracia naqueles países que dela carecem, sem que isso constitua de nenhuma maneira “intervencionismo”, mas sim uma condição absolutamente indispensável para a integração latino-americana.
Estabeleci o princípio de que somente a democracia conduz não só à dignidade humana material e espiritual, mas também à segurança e ao desenvolvimento – já que os países não-democráticos da região e seus aliados em países democráticos favorecem a atuação do crime organizado e do terrorismo, além de contribuírem para políticas econômicas conducentes ao atraso e empobrecimento.
A antiga atitude de ignorar os problemas, repetir a palavra “diálogo” e não incomodar ninguém, decidi substituí-la pela ação diplomática concreta para construir uma região de democracia e prosperidade, assumindo finalmente as responsabilidades que todos esperam do Brasil.
Tornei o Brasil a principal referência e esperança para todas as verdadeiras forças democráticas na América Latina – na Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, Paraguai, Chile, Argentina, Peru, Guatemala, Honduras, República Dominicana, etc.
Explorei diversas iniciativas para a redemocratização venezuelana e pelo fim do regime ditatorial de Nicolás Maduro, que transformou a Venezuela em uma plataforma de atuação de todos os tipos de organizações criminosas e terroristas. Criei rede de contatos com as principais lideranças democráticas do continente, que trabalham dia e noite para livrarem seus países do pesadelo e terror das narcoditaduras atuais ou futuras.
Coloquei a diplomacia como instrumento para combate ao crime organizado e ao terrorismo, esse grande flagelo que ameaça a segurança dos brasileiros e a democracia em nossa região, procurando trabalhar, juntamente com a OEA e outros parceiros, para entender e enfrentar o fenômeno pernicioso da junção narcotráfico-terrorismo-corrupção-socialismo na América Latina (o complexo criminoso-político consubstanciado no Foro de São Paulo).
Sei que isto que vou dizer não significa nada para o establishment de política externa sem alma e sem coração, mas os líderes latino-americanos que têm fome e sede de liberdade sabem quem eu sou. Poucas realizações me honraram tanto quanto haver conquistado a amizade e o respeito de pessoas como María Corina Machado, Juán Guaidó, Júlio Borges, Andrés Pastrana, Iván Duque, o falecido Carlos Holmes Trujillo, Mario Abdo Benítez, Luís Castiglione, Antonio Rivas, Federico González, Euclides Acevedo, Francisco Bustillo, Luis Almagro, Mauricio Macri, Jorge Faurie, Patrícia Bullrich, Sebastián Piñera, Roberto Ampuero, Teodoro Ribera, Andrés Allamand, Karen Longaric, Pedro Brolo e muitos outros.
Em outras regiões, obtive a distinção de amizade e colaboração, em torno de ideais comuns de liberdade, nacionalidade, desenvolvimento e soberania, de pessoas como Mike Pompeo, Bob Lighthizer, Luis Filipe Tavares, Abdullah bin Zayed Al-Nahyan, Benjamin Netanyahu, Gabi Ashkenazi, Subrahmanyam Jaishankar, François-Philippe Champagne, Peter Szijjarto, Matteo Salvini, Angel Gurría, Nicolas Dupont-Aignan, Jacek Czaputowicz e Dominic Raab.
Não me surpreendeu a hostilidade do “establishment” brasileiro de política externa, formado por Embaixadores aposentados lobistas, ex-Ministros acusados de corrupção ou ligados a empresas acusadas de corrupção, ex-Presidentes corruptos ou acusados de corrupção, parlamentares acusados de corrupção, escritórios de lobby de países estrangeiros disfarçados de institutos de pesquisa, acadêmicos e comentaristas ligados direta ou indiretamente ao grande sistema corrupto que quer estrangular o Brasil.
Para esse grupo, o Itamaraty deveria ser uma província do sistema, um enclave do sistema, dentro do governo Bolsonaro. Nunca permiti que assim fosse.
Fui convidado pelo Forum Econômico Mundial, o Fórum de Davos, a participar de um grupo seleto que discutiu propostas ligadas ao conceito de um Great Reset. Apresentei ali, com toda a franqueza, ideias contrárias a esse projeto, por considerar que lhe falta o que deveria ser o elemento central de qualquer Reset, a afirmação da liberdade e portanto da dignidade humana.
Dissociei-me do resultado desse trabalho, mas mantive a amizade e respeito mútuo com seu coordenador, o Presidente do Forum Econômico Mundial, Borge Bende, que me escreveu uma mensagem quando deixei o cargo, dizendo: “You did a great job for Brazil”, que me permito citar aqui como um reconhecimento que considero especialmente valioso, por provir de alguém com linhas de pensamento que diferem das minhas.
Demonstra-se assim que a expressão sincera e franca de ideias pode ser a marca da atuação internacional de um Chanceler e que essa atitude é valorizada em diferentes âmbitos, por oposição à mera repetição de chavões superficiais.
De fato, em todos os contatos internacionais, com autoridades, intelectuais e empresários, em seminários e palestras, através de artigos, entrevistas e discursos, procurei sempre apresentar ideias capazes de contribuir a um futuro melhor para o mundo e para o Brasil.
E procurei sempre explicar o Brasil, nosso compromisso com a transformação democrática e o fim de um regime de corrupção transnacional que nos dominava, buscando desfazer a avassaladora imagem mentirosa criada pela esquerda brasileira e por todas as correntes políticas interessadas em destruir o projeto do Presidente Bolsonaro, e vendida à mídia mundial.
É preciso destacar que praticamente toda a “imagem negativa” do Brasil no exterior é oriunda de falsas acusações e narrativas infundadas propaladas por políticos brasileiros e outras personalidades brasileiras interessadas em impedir qualquer êxito do governo Bolsonaro junto à comunidade internacional, e que conscientemente sabem que a formação de uma imagem falsa sobre o Brasil principalmente nas áreas de meio ambiente, direitos humanos e democracia é um instrumento poderoso para impedir o relacionamento novo, ambicioso e produtivo que desejamos ter com países europeus, Estados Unidos e outros.
Confrontei com todas as forças a ideia cínica segundo a qual “entre países não há amizades, apenas interesses”, pois isso implica a negação dos sentimentos humanos mais nobres e, ao excluí-los do relacionamento entre nações, acaba por destruí-los também no relacionamento entre as pessoas.
Fui o idealizador em 2019 da criação de um Fundo para o Meio Ambiente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), hoje já estruturado, que permitirá canalizar vultosos investimentos internacionais para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Trabalhei em todas as frentes possíveis, em coordenação com o Ministro Ricardo Salles, para concretizar uma nova mentalidade em relação à Amazônia, centrada no investimento produtivo sustentável e na bioeconomia, gerando emprego e renda, ao lado da luta contra o desmatamento ilegal. Também com Ricardo Salles, preparei e apresentei a nova contribuição nacional brasileira ao Acordo de Paris, bem como estabeleci nova negociação com os EUA sobre clima e meio ambiente com respeito à nossa soberania.
Sob minha gestão o Itamaraty desempenhou plenamente as tarefas que competem ao Ministério das Relações Exteriores na implementação de uma estratégia de vacinação contra a Covid, uma estratégia que já havia tornado o Brasil o 5° país que mais vacina no mundo quando deixei o cargo.
Minha atuação contribuiu para que o Brasil fosse o primeiro a receber vacinas da Índia e o país que mais recebeu vacinas e insumos da China. Todas as vacinas e insumos que permitiram, até aqui, a distribuição de mais de 45 milhões de doses de vacinas contra a Covid no Brasil chegaram ao país durante a minha gestão, com exceção de um lote de insumos cuja entrega já estava programada quando deixei o cargo. Além disso, deixei preparada toda a operação diplomática e logística necessária para trazer ao Brasil as vacinas Sputnik, da Rússia, e Covaxin, da Índia, tão logo estas vacinas sejam aprovadas pela Anvisa.
A narrativa torpe e caluniosa de que meu trabalho prejudicava a obtenção de vacinas, e de que bastaria minha saída do cargo para que mais vacinas afluíssem ao Brasil, já se está demonstrando completamente infundada, bastando que se leiam as notícias dos últimos dias sobre a continuada dificuldade de obtenção ou indisponibilidade de vacinas e insumos da COVAX ou dos grandes países produtores.
Mudei o centro de gravidade do Itamaraty do passado para o futuro. Durante minha gestão a diplomacia brasileira deixou de consistir na repetição de infinitas variantes das mesmas fórmulas vazias, que serviram talvez a outras épocas, mas que não contribuem agora para a construção do país que queremos.
Procurei pensar estrategicamente no futuro do Brasil: que tipo de inserção internacional nos traria grandeza e liberdade, prosperidade, segurança, alegria e dignidade, dentro da nossa cultura, nossa identidade, nossos ideais.
Procurei entender as ameaças à nossa soberania e à nossa democracia, oriundas da região ou do resto do mundo, da nossa defasada estrutura comercial-econômica, de mentalidades de controle social, de ideologias totalitárias que ainda persistem, da manipulação das questões ambientais, ou do emprego de novas tecnologias.
Procurei entender os desafios que o mundo de hoje coloca ao Brasil e à liberdade, e a partir daí definir como o Brasil pode atuar em defesa de seus interesses materiais e igualmente da sua soberania e democracia, de sua própria identidade, e de como o Brasil pode contribuir para o futuro de uma humanidade livre.
Identifiquei que o grande problema consiste em que, nos trinta anos de globalização, o sistema internacional esqueceu e desdenhou a liberdade, que deveria ser o seu princípio fundacional e criou uma economia globalizada teoricamente liberal onde cada vez mais, entretanto, prevalecem princípios não liberais, regimes não-democráticos e estruturas sociais de controle sobre o indivíduo com censura crescente e manipulação de ideias, desumanização, fragmentação e perda de coesão social.
Advoguei incessantemente por uma reestruturação do poder mundial baseada na liberdade e na democracia, e não em princípios obscuros ou em objetivos que ignorem esse elemento fundamental.
Procurei atuar a partir de uma leitura do mundo como ele é, das linhas de poder reais que o conduzem, para ajudar a construir o Brasil como ele deveria ser.
Atuei todos os dias a partir da convicção inabalável de que o Itamaraty pode e deve ser um instrumento de transformação nacional, e não de perpetuação de um modelo fracassado.
Acreditei no primado da liberdade, tantas vezes proclamado pelo Presidente Bolsonaro. Acreditei no lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, pois creio que somente com o sentimento patriótico e a fé em Deus podemos de verdade mudar o Brasil.
Fiz tudo isso e outras coisas. Criei pontes com todo o mundo. Construí pontes com governantes, pensadores, empresários, formadores de opinião, funcionários, parlamentares, cientistas do Brasil e de dezenas de países, e também com jornalistas, quando sinceros e profissionais.
Construí sobretudo – e é disso que mais me orgulho – pontes com o povo brasileiro. E não falo aqui da “sociedade civil” como entidade desencarnada, mas do povo verdadeiro que sente e sofre, que tem fé, esperança e amor.
Recordo-me sempre do discurso do Presidente Jair Bolsonaro na noite da vitória, em 28 de outubro de 2018, quando enunciou, entre seus objetivos de governo: “Vamos libertar o Itamaraty.” Estou certo de haver tudo feito para cumprir esse objetivo, para libertar o Itamaraty das masmorras da cleptocracia e colocá-lo junto ao povo.
Ernesto Araújo
Brasília, 10 de abril de 2021