por paulo eneas
O presidente Bolsonaro está promovendo uma reforma ministerial que resultará não apenas na presença, mas no controle efetivo de áreas importantes de seu governo pelo Centrão, o bloco partidário majoritário no Congresso Nacional caracterizado pelo fisiologismo e pela completa permeabilidade às pautas da esquerda, como ficou demonstrado ao longo dos últimos anos, especialmente quando este bloco fez parte da base de apoio ao governo petista.
Segundo informações que circulam na imprensa e nas redes sociais nesta quarta-feira (21/07), o senador Ciro Nogueira (PP-PI) passará a chefiar a Casa Civil da Presidência da República, atualmente sob comando do ministro Luiz Ramos, um dos principais artífices da desastrosa estratégia de articulação política que o governo vem adotando há quase dois anos.
A Casa Civil é o núcleo duro do governo, por onde passam as principais decisões, inclusive a de outros ministérios, e por esta razão seu titular costuma ser também o articulador político e interlocutor do governo com o Congresso Nacional. Caso a mudança se confirme, o Centrão estará sob comando e controle de fato do coração do governo federal e de sua relação com o parlamento.
O possível futuro novo chefe da Casa Civil, senador Ciro Nogueira, foi o principal articulador da indicação do então desembargador Kassio Nunes para a primeira vaga aberta no Supremo Tribunal Federal durante o Governo Bolsonaro. Além disso, Ciro Nogueira teve papel ativo na articulação recente com demais dirigentes de partidos do Centrão e da esquerda, juntamente com magistrados da suprema corte, para inviabilizar a PEC do voto impresso auditável.
Além da provável ida do senador Ciro Nogueira para a chefia da Casa Civil, a reforma ministerial promoverá também a recriação do Ministério do Trabalho, sob outro nome, como desmembramento de uma secretaria do Ministério da Economia. A nova pasta, que na verdade é antiga, possivelmente será chefiada pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
O deslocamento de um governo de direita em direção ao centro
A principal consequência dessa reforma ministerial será dar ao Governo Bolsonaro cada vez mais as tinturas e as cores de um governo de centro e integrado ao establishment político, contrastando assim com o viés explicitamente de direita e anti-establishment que caracterizou o movimento político que elegeu o então deputado Jair Bolsonaro como presidente.
Esta guinada ao centro e esta conformação ao establishment político já ficou evidenciada com a saída de ministros da linha conservadora de direita como Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Ricardo Salles, além de diversos colaboradores do mesmo viés em escalões inferiores.
Mais do que troca de nomes, que é uma prerrogativa do presidente, estas mudanças implicaram em mudanças nas diretrizes das respectivas pastas, todas elas deslocando ao centro ou centro-esquerda.
Isto ficou evidenciado no Ministério das Relações Exteriores que, após a saída de Ernesto Araújo, passou a implementar uma política externa pouco distinta daquela do período tucano-petista, em que o Brasil era considerado um anão diplomático. O novo chanceler, Carlos França, é apadrinhado pela senadora Katia Abreu (PSD-TO), uma das expoentes do Centrão.
Sob a nova política externa, que é tucana para todos os efeitos práticos, nosso país passou a posicionar-se de maneira hostil a Israel nos fóruns internacionais e silenciou-se sobre a revolta do povo cubano contra a ditadura comunista da ilha caribenha.
A nova chancelaria abandonou qualquer altivez em relação ao imperialismo da comunista chinesa. Além disso, os movimento recentes no Itamaraty sinalizam aparentemente a adoção da doutrina geopolítica sul-sul no âmbito das relações internacionais. Esta doutrina foi herdada do período do governo de Ernesto Geisel, e posteriormente foi retomada na era petista.
O centrão como correia de transmissão da agenda da esquerda
Esse processo gradual de deslocamento do eixo do governo em direção ao centro ou mesmo à centro-esquerda em algumas área, como é o caso do Ministério dos Direitos Humanos e as Relações Exteriores, explica-se em parte pela natureza do Centrão.
Este bloco políticos não é formado em sua maioria por militantes esquerdistas clássicos, mas sim por políticos tradicionais habituados a práticas fisiologistas na relações com a máquina governamental. Ocorre que esse “pragmatismo fisiológico” aparentemente sem cor ideológica é totalmente permeável e maleável às agendas ideológicas da esquerda, que em geral são vistas, quando muito, como “progressistas”.
Assim, o centrão acaba operando como correia de transmissão, no sentido dado à expressão pela tradição leninista, de uma agenda revolucionária oculta e sutil. É o Centrão que historicamente tem garantido que a esquerda nominal, mesmo não formando maioria isolada no Congresso Nacional, consiga fazer avançar a maioria de suas pautas, especialmente as de cunho globalista.
Este mesmo centrão como correia de transmissão da agenda progressista (isto é, a agenda da esquerda) também constitui-se na principal barreira, juntamente com a esquerda obviamente, para qualquer plataforma conservadora de direita.
Portanto, a presença cada mais acentuada deste bloco político no núcleo duro do governo terá como consequência esperada o afastamento cada vez maior, por parte do governo, da agenda conservadora e de direita que saiu vitoriosa na últimas eleições presidenciais.
Cumpre observar, é claro, o óbvio: a mudança anunciada no ministério, com a incorporação do Centrão ao núcleo do governo, atende a uma necessidade política do presidente. Mas aparentemente esta necessidade coloca-se de modo rebaixado: não se trata da necessidade de formar maioria para promover a agenda conservadora, mas sim para permitir a continuidade do governo em si.
E quando as alianças políticas, que precisam ser feitas, não miram prioritariamente no programa de governo, mas constituem-se como uma quase chantagem para o governo continuar existindo, obviamente é um sinal de que a estratégia adotada que levou a este cenário estava completamente errada.