por lucília coutinho
Talvez muita gente não saiba, mas o exército dos Bandeirantes eram os índios. Não havia tanto português por aqui, e negros, mal existiam em SP, só em número muitíssimo reduzido, daí muitos dos topônimos paulistanos e paulistas serem de origem tupi, não de raiz africana. Os negros eram levados para o nordeste por causa dos engenhos de cana-de-açúcar que necessitavam de mão de obra. O afluxo de negros em São Paulo iniciou-se com as migrações internas fomentadas por Getúlio Vargas.
São Paulo era esquecida, perdida, nove dias para escalar a Serra do Mar e chegar no Planalto Paulista que se resumia só àquele trechinho do centro histórico inicial (Páteo do Collegio) que formava um triângulo com os rios Tamanduateí, o maior deles, retificado no início do século XX, e seus afluentes, Rio Anhangabaú, soterrado sob a Avenida Nove de Julho e, finalmente, Rio Itororó, também sepultado sob a Avenida Vinte e Três de Maio.
A Ladeira Porto Geral era mesmo um porto fluvial que recebia víveres das fazendas em São Bernardo do Campo, pois a atual Vinte e Cinco de Março está onde era o leito do Tamanduateí antes da retificação.
Tudo era de pau a pique, taipa e adobe, tecnologia que os portugueses trouxeram para o Brasil (não, os índios não conheciam este tipo de construção, só usavam palha, não conheciam nem a roda!), conhecida no sul de Portugal após a invasão bérbere (islâmicos, sob Taric, que mudou o nome das Colunas de Hercules para Gibraltar que significa “Taric passou aqui”), no séc. VIII.
Não houve aquele massacre de índios que os supostos historiadores gostam de falar, também não havia milhões e milhões de índios como dizem. Catequizados, alfabetizados, protegidos pelos jesuítas, muitos índios adotaram nomes portugueses e incorporaram-se ao exército dos Bandeirantes.
Já passaram na sinuosa Via Anhanguera? Era uma picada aberta pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva e apelidado de Anhanguera pelos índios, que significa “diabo feio” porque devia ser muito feio mesmo. Ele descobriu as minas de Goiás.
São Paulo era esquecida do mundo ou, como dizem, esquecida de Deus e do diabo. Era uma vida bem provinciana, logo, propícia a homens corajosos com sonhos de desbravamento.
Na época dos bandeirantes, Portugal estava sob jugo da Espanha, pois não tinha rei, até reconquistar sua independência com os Braganças. Sem nem saber do Tratado de Tordesilhas que dividiu o continente entre Portugal e Espanha, os bandeirantes foram muito além e formaram este território.
Até o arroz carreteiro e o feijão tropeiro, a bombacha e o poncho, eram tipicamente bandeirantes, dos paulistas que levaram seus costumes Brasil afora.
Quando leciono sobre o Barroco no Brasil (pois não existe um “barroco brasileiro”, eles são muito diversos, existe o barroco mineiro, o carioca, o da costa nordestina, o paulista) conto todas estas histórias (com mais detalhes e vagar), mostrando a simplicidade do Barroco paulista onde muitas peças podem ser vistas (se não estiver fechado) no Museu de Arte Sacra, antigo Convento da Luz, ele também construído com taipas.
Só com o café que se adaptou bem por estas plagas é que São Paulo começou a enriquecer e construir em pedra no final do século XIX, usando o estilo eclético, comum na França do Segundo Império e o Art Nouveu Belga, o mais belo de todos os Art Nouveau. Ramos de Azevedo, arquiteto, embelezou muito aquela antiga aldeia que depois foi enfeiada por caixas estilo Le Corbusier, sem alma, e hoje é jogada às traças por mais de cinco décadas de sucessivas administrações que espalham drogados pelas ruas para acelerar sua destruição.
Quando um revolucionário destrói o passado, ele sequer conhece este passado, veja que quando os revolucionários depredaram Notre-Dame de Paris cortaram as cabeças das esculturas dos reis do Antigo Testamento supondo que se tratassem de reis franceses.
A história de São Paulo é linda, feita com muito esforço, muito trabalho e muita coragem. Naturalmente, os covardes jamais a compreenderão. Na verdade, São Paulo, aquela heróica, já morreu na década de 1950. Hoje restam escombros imêmores.
RIP, São Paulo
Lucília Coutinho é professora de História da Arte e designer. Foto Ilustrativa: DEBRET, Jean-Baptiste. 1817. Igreja de N.S. do Carmo.