por paulo eneas
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) é autor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, se aprovada, irá abolir o preceito do duplo grau de jurisdição, presente em nosso ordenamento jurídico, para os casos de pessoas acusadas de supostamente terem cometido crimes contra o “Estado Democrático de Direito” e crimes de “intolerância política”.
A proposta do senador alagoano prevê o estabelecimento de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento destes supostos crimes, suprimindo assim as instâncias inferiores da justiça e eliminando a possibilidade de recurso a instância superior. Seria uma forma de de “foro desprivilegiado”.
O senador admite que sua iniciativa é uma resposta às manifestações recentes que têm ocorrido de pessoas contrárias e insatisfeitas com o resultado oficial das últimas eleições.
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O conceito de duplo grau de jurisdição prevê a possibilidade de uma parte recorrer a uma instância superior da justiça demandando a revisão ou reexame de uma sentença dada na instância imediatamente anterior.
No Brasil, a instância máxima da justiça comum é o Superior Tribunal de Justiça, que pode revisar decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais. Estes por sua vez constituem-se nas instâncias recursais colegiadas de justiça dos juízes de primeiro grau.
O Supremo Tribunal Federal, em que pese certos equívocos interpretativos, não constitui-se exatamente numa quarta instância de justiça. Sua função precípua prevista na Constituição Federal é a de julgar a constitucionalidade de leis aprovadas no parlamento, atos de governantes ou mesmo ações das demais instâncias da Justiça, quando há matéria constitucional envolvida.
Em anos recentes no entanto, o Supremo Tribunal Federal passou a exercer de fato o papel de quarta instância de ações penais, mesmo quando não há matéria constitucional envolvida.
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A proposta do senador Renan Calheiros transformaria o Supremo Tribunal Federal em instância única para determinados tipos de crime, os chamados crimes de intolerância contra o Estado Democrático de Direito, abolindo assim o princípio do duplo grau de jurisdição para esses casos.
Além da PEC, o senador pretende apresentar cinco projetos de lei fazendo a tipificação penal daquilo que ele entende serem “crimes de intolerância contra o Estado Democrático de Direito”.
Renan Calheiros faz ainda elogios ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por ter feito o que o senador chama de “contenção toda” nestes dois anos “sem que estivessem na legislação instrumentos para tal”.
No entender do senador, caberia ao Legislativo fornecer os instrumentos legais para o que ele chama de “contenção”. Renan Calheiros pretende que sua PEC seja aprovada ainda este ano, faltando cerca de vinte dias para o início do recesso parlamentar.
O princípio do duplo grau de jurisdição na tradição jurídica brasileira
No artigo A Constituição de 1988 e o princípio do duplo grau de jurisdição publicado no website jus.com.br, a Dra. Emília Cavalcante Nobre discorre sobre o conceito de duplo grau de jurisdição na tradição jurídica brasileira.
A autora afirma que a “preocupação com o abuso de poder dos juízes trouxe a consagração em nosso ordenamento do princípio do duplo grau de jurisdição, considerada uma verdadeira ‘garantia fundamental de boa justiça’ (…), o fundamento político maior em favor da preservação do duplo grau, qual seja, a necessidade de controle dos atos estatais”.
Prossegue afirmando que “(…) nenhum ato estatal pode escapar de controle e, como tal, a revisão das decisões judiciárias constitui postulado do Estado de Direito, através do qual se realiza o controle interno, exercido por órgão diverso do que julgou em primeiro grau, para aferir a legalidade e a justiça da decisão por este proferida.”
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A autora ainda assina que “O duplo grau foi inicialmente previsto na Carta Constitucional de 1824, a qual o erigia a garantia constitucional absoluta através do art. 158: ‘para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Re1ações, que forem necessárias para commodidade dos Povos'”.
A Dra. Emília ainda observa que, embora ausente explicitamente do texto constitucional republicano, a doutrina processual entende que da noção de duplo grau de jurisdição “decorre a garantia do sistema constitucional vigente, o qual prevê a existência de tribunais de segunda instância competentes para o julgamento dos recursos (…)”.
A autora cita também Ingo Wolfgang Sarlet, que “considera que o art. 5°, inc. XXXV da Constituição Federal de 1988 abrangeria o referido princípio. Prevê o dispositivo em tela o direito de acesso à Justiça, de forma que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito'”.
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E conclui a citação afirmando que “na medida em que a lesão ou ameaça ao direito pode advir de ato do próprio Poder Judiciário, essa garantia constitucional poderia se tornar inoperante, caso não se viabilizasse, de alguma forma, a sua revisão”.
Observa-se assim que a proposta do senador Renan Calheiros está na contramão de uma doutrina garantidora de direitos que está presente em nosso ordenamento jurídico desde os tempos do Império, e por esta razão tal proposta precisa ser rejeitada pelo parlamento brasileiro por conta de sue viés autoritário.
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