por angelica ca e paulo eneas
O fato político mais importante da semana passada não foi exatamente uma novidade: conforme já era esperado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade na última quarta-feira (26/03) pelo acolhimento da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas, que integram um dos núcleos de acusados de suposta tentativa de golpe de Estado em 2022.
É importante lembrar que a decisão não condena nem inocenta os acusados, mas apenas indica que os magistrados viram indícios de crimes nas denúncias apresentadas pela Procuradoria. Uma vez que a denúncia foi aceita, Jair Bolsonaro e os demais sete acusados tornam-se réus e responderão a uma ação penal.
Na ação penal os réus responderão por suposta prática dos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União.
Todos estes crimes e a duração de suas respectivas penas de reclusão, que podem chegar até 26 anos de reclusão, estão previstos na Lei 14197, a Lei Bolsonaro, e em artigos do Código Penal modificados por esta lei, que o ex-presidente fez aprovar a partir de projeto de lei petista e sancionou em 1 de setembro de 2021.
Com instauração da ação penal, inicia-se uma série de trâmites e audiências. Na primeira etapa, que é a da instrução, serão ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa, além dos depoimentos dos próprios acusados e as alegações finais do Ministério Público.
Os advogados poderão indicar testemunhas e pedir a produção de novas provas para comprovar as teses de defesa. Com o fim da instrução do processo, o julgamento será marcado, e os ministros deverão votar pela condenação ou absolvição dos réus, e em seguida, vão estipular as penas de forma individualizada.
Não há data definida para o julgamento, que depende do andamento da instrução processual. Até ao final do julgamento, os réus devem responder ao processo em liberdade, mas ficam impedidos de sair do território nacional.
Conforme entendimento já firmado pelo Supremo Tribunal Federal, qualquer prisão para cumprimento de pena só deve ocorrer após o trânsito em julgado da ação penal. Isto é, quando não for mais possível apresentar nenhum recurso contra eventual condenação.
Com a aceitação da denúncia da Procuradoria-Geral da República, tornaram-se réus os seguintes políticos, militares e figuras públicas:
• Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha do Brasil
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal
• Augusto Heleno, general da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
• Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
• Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa
• Walter Braga Netto, general e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, além de ter sido candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022
As Primeiras Reações de Jair Bolsonaro
Logo após a decisão da primeira turma do STF que o tornou réu, Jair Bolsonaro deu declarações com duas intenções bem claras: vitimizar-se junto à sua base eleitoral e implorar por clemência e misericórdia de seus algozes, e ao mesmo tempo isentar-se de qualquer responsabilidade pelas manifestações que desaguaram nos eventos de 8 de Janeiro de 2023 em Brasília.
Seguindo orientação de seus advogados, Jair Bolsonaro fez menção a trechos cuidadosamente escolhidos de pronunciamentos seus ainda ao final de 2022 onde faz referências genéricas a uma suposta manifestação de caminhoneiros que estaria prestes a ocorrer antes da posse do petista Lula.
Ou seja, o então presidente Jair Bolsonaro escolheu na época falar sobre algo que não estava ocorrendo, o que é uma evidente estratégia para eximir-se de responsabilidades.
Desde quando revelou sua verve bolchevique revolucionária, a direita brasileira transformou os caminhoneiros no “seu proletariado”. A última grande mobilização dos caminhoneiros no Brasil não foi uma greve, mas um locaute (sabotagem patronal orquestrada por um segmento econômico) de empresas do setor em 2017, ainda no Governo Temer, e que custou uma fração apreciável do PIB nacional naquele ano.
O locaute teve apoio amplo da esquerda e também da direita, mostrando o quanto ambos os espectros têm mais em comum do que de diferenças. O locaute disfarçado de greve promoveu lideranças como André Janones, que foi reverenciado por inúmeras lideranças da direita de então e depois tornou-se deputado federal da base do governo petista.
Desde então a direita bolchevique passou a ameaçar o cenário político nacional de tempos em tempos com blefes sobre supostas greves de caminhoneiros, o que geraria desabastecimento em escala nacional. Greves estas que na verdade nunca ocorreram nem ocorreriam. Tudo sempre foi um blefe, e não há razão alguma para acreditar que seria diferente ao final de 2022.
As Mobilizações Reais em Porta de Quartel em Brasília
O que existia de mobilização real ao final de 2022 e sobre a qual Jair Bolsonaro omitiu-se esta semana em sua primeira fala após tornar-se réu eram os acampamentos em porta de quartel em Brasília. Essas mobilizações não surgiram por geração espontânea.
As centenas ou milhares de donas de casa, manicures, motoristas de Uber, pequenos empresários, pessoas desempregadas e outras tantas gentes comuns do povo não despertaram um dia qualquer após as eleições daquele ano e decidiram abandonar suas famílias e seus afazeres para ir acampar em Brasília e pedir golpe de Estado, sob o eufemismo de intervenção militar constitucional, por vontade própria.
Estas pessoas foram incitadas e estimuladas a tal por meio da rede bolsonarista de agentes desinformantes que passaram a falar em nome, ainda que não oficialmente, do então presidente, que em momento algum veio a público desautorizar estes agentes. Pelo contrário, em diversas oportunidades Jair Bolsonaro dirigiu-se aos manifestantes, inclusive no Palácio da Alvorada, com discursos genéricos que os incitavam a permanecer mobilizados.
A manipulação daquela massa de inocentes era feita por estes mesmos agentes bolsonaristas com interpretações fantasiosas de supostas mensagens cifradas, com slogans ilusionistas como “aguarde mais 72h” ou então “[Lula] não sobe a rampa”.
Em momento algum Jair Bolsonaro teve a hombridade de vir a público reconhecer sua derrota na eleição e dirigir-se claramente aos manifestante acampados conclamando-os a se desmobilizar e irem para casa.
Por fim, no penúltimo dia de seu fracassado mandato, Jair Bolsonaro fugiu do país abandonando a Presidência da República e estes apoiadores, sem lhes dar norte algum, mesmo sabendo o que aconteceria com aquelas pessoas em decorrência da Lei 14197, que ele mesmo fez aprovar e sancionou no ano anterior.
A ironia do destino é que, agora na condição de réu, Jair Bolsonaro e seus cúmplices mais próximos poderão ser condenados a anos de prisão em regime fechado com base justamente na lei autoritária que ele mesmo fez questão de fazer aprovar, por mais que procure bajular seus algozes e dissimular sua conduta tentando eximir-se de qualquer culpa ao mesmo tempo em que suplica vergonhosamente por misericórdia daqueles contra quem ele bravateou durante os quatro anos de seu fracassado governo.

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