por evandro pontes
Muito vem se falando nos últimos dias, de maneira até cômica, tal o nível do despreparo, em ideias para tentar afastar o Presidente da República eleito.
Hoje não se sabe mais nem mesmo o número de seus eleitores que podem estar sendo legitimamente desrespeitados, dado o quadro de fraude nas eleições que, segundo o próprio Presidente da República informa, e à luz dos dados que coletou, teria assegurado a sua vitória em 1º turno das eleições.
A miséria moral que vivíamos carreou um quadro de insustentável descalabro institucional, construído na base de um oportunismo calhorda: em um estado de pandemia geral, esperando-se a suspensão das animosidades, o que se vê é uma situação de agravamento desse confronto, por iniciativa exclusiva de alguns governadores, amparados pela imprensa que a eles se vendeu.
Dentre as ideias engraçadas para afastamento do presidente, há até propostas envolvendo o instituto do impeachment, formuladas por advogados mal formados (gostaria eu que tivessem se formado por correspondência – ao menos ler é requisito para esses nobres causídicos epistolares). A última delas foi inventada pelos causídicos transantes do MBL, que sem crime de responsabilidade querem abrir um processo de impeachment em virtude de um vídeo em que o presidente restringe a exportação de certos produtos componentes de um fármaco e, ao mesmo tempo, apenas estimula a pesquisa sobre o seu uso.
Ora, não sendo o Presidente da República um médico tão sagaz quanto Geraldo Alckmin, em momento algum ele prescreveu o que quer que seja para o tratamento do que se quer que imagine. O fato em si envolvendo o vídeo como suposta causa de impedimento do presidente é bizarro – cômico é tanter transformá-lo algo factível, digno de piada de Zé Bunitinho.
Alguns mais astutos, como a deputada Janaína Paschoal, têm fugido da palavra impeachment e tentado sugerir o afastamento por exame médico ou por invencionices, tais como a ideia de que as FFAA não se submetem a autoridade do Presidente da República e podem orbitar no país como se fosse um “conselho Jedi”.
Sem ler a constituição, de fato fica difícil não apenas de buscar uma solução, mas também de entender o que está se passando no país.
Vem comigo?
Vale a pena a leitura do Título V da Constituição: Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas.
Nesse título há 3 capítulos: o primeiro, sobre “Estado de Defesa e Estado de Sítio” trata basicamente da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas em uma situação de anormalidade. O terceiro, que trata da “Segurança Pública”, cuida da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas em uma situação de normalidade.
A diferença entre “Estado de Sítio” e “Segurança Pública” é justamente o estado de normalidade que, olhando para a prática da vida, hoje não se encontra mais pleno nas ruas.
A normalidade foi rapidamente ameaçada em virtude da pandemia de COVID-19, nome técnico dado ao vírus chinês também conhecido por “Corona”. Mas o momento em que normalidade começa a se perder, há uma desenfreada busca de causas que se reveste de verdadeira caça e exposição de culpados.
Se a ideia for no âmbito da culpa, correto está o deputado Eduardo Bolsonaro ao notar que a responsabilidade dessa pandemia cabe ao governo chinês (e não ao seu povo, diga-se de passagem – dono de uma cultura milenar que todos admiramos).
Essa transferência de culpa por causas fantasiosas simplesmente desnuda a existência de paspalhos que não querem solução para o problema, mas sim se beneficiar pessoalmente dele, ainda que sob o risco de seu agravamento ou da criação de inúmeros outros colaterais.
Dessa tentativa fraudulenta de se aproveitar de uma pandemia para mais uma vez ver uma oportunidade para remover Jair Bolsonaro do poder, surgem de fato os atos que mostram que quem tem que ser removido, na verdade, é quem anda arquitetando a remoção de Bolsonaro.
É na constituição que vemos exatamente o âmbito das competências entre o chefe do poder executivo federal versus os pequenos chefes de poderes executivos locais ou estaduais.
Em situação de normalidade parte da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas caberá aos Estados em concorrência com a União, no âmbito das políticas de “Segurança Pública”. Note-se que a atribuição é concorrente e sob certo aspecto, o exercício da Segurança Pública por parte diretamente da União, se sobrepõe ao exercido pelo Estado. Sem prejuízo dessa concorrência, vale então aos Estados tocar nesse assunto apenas e tão somente em situação de normalidade institucional. Exemplo? Copa do Mundo da Fifa de 2014.
Não é possível, portanto, usar os mecanismos de Segurança Pública dos Estados a fim de restringir direitos para reparar “comoção grave de repercussão nacional”. Ora, por que? Justamente porque essa é a descrição contida no artigo que fundamenta as causas de Estado de Sítio, que é competência exclusiva do Executivo federal (art. 137, I).
Em casos de anormalidade, aí só a União poderá determinar as medidas cabíveis.
Qualquer outro órgão ou poder nada pode fazer ou intervir, nem mesmo o Poder Judiciário, sob pena de usurpação de função, atentando contra a Constituição, a segurança interna do país e até a própria existência da União.
Pouco ou nada sei de outros estados, mas essas palavras constam expressamente do art. 48 da Constituição do Estado de São Paulo, quando trata da responsabilidade do governador. Isso porque se lê, no art. 47, as atribuições do governador, que são divididas entre as seguintes tarefas:
I – representar o Estado nas suas relações jurídicas, políticas e administrativas;
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
III – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como, no prazo nelas estabelecido, não inferior a trinta nem superior a cento e oitenta dias, expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução, ressalvados os casos em que, nesse prazo, houver interposição de ação direta de inconstitucionalidade contra a lei publicada;
IV – vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
V – prover os cargos públicos do Estado, com as restrições da Constituição Federal e desta Constituição, na forma pela qual a lei estabelecer;
VI – nomear e exonerar livremente os Secretários de Estado;
VII – nomear e exonerar os dirigentes de autarquias, observadas as condições estabelecidas nesta Constituição;
VIII – decretar e fazer executar intervenção nos Municípios, na forma da Constituição Federal e desta Constituição;
IX – prestar contas da administração do Estado à Assembléia Legislativa na forma desta Constituição;
X – apresentar à Assembléia Legislativa, na sua sessão inaugural, mensagem sobre a situação do Estado, solicitando medidas de interesse do Governo;
XI – iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
XII – fixar ou alterar, por decreto, os quadros, vencimentos e vantagens do pessoal das fundações instituídas ou mantidas pelo Estado, nos termos da lei;
XIII – indicar diretores de sociedade de economia mista e empresas públicas;
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
XV – subscrever ou adquirir ações, realizar ou aumentar capital, desde que haja recursos hábeis, de sociedade de economia mista ou de empresa pública, bem como dispor, a qualquer título, no todo ou em parte, de ações ou capital que tenha subscrito, adquirido, realizado ou aumentado, mediante autorização da Assembléia Legislativa;
XVI – delegar, por decreto, a autoridade do Executivo, funções administrativas que não sejam de sua exclusiva competência;
XVII – enviar à Assembléia Legislativa projetos de lei relativos ao plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, dívida pública e operações de crédito;
XVIII – enviar à Assembléia Legislativa projeto de lei sobre o regime de concessão ou permissão de serviços públicos.
XIX – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.
Parágrafo único – A representação a que se refere o inciso I poderá ser delegada por lei, de iniciativa do Governador, a outra autoridade.
Note-se pois que não há uma linha sequer que autorize o governador a fechar comércio, impedir a livre circulação de pessoas nas ruas, cessar unilateralmente os serviços de transporte público e etc.
A intenção única e exclusiva desses atos é espalhar pânico e tentar colher frutos de um caos que pode gerar efeitos econômicos que, de outro turno, geram insatisfação social de onde se extrairá a forceps um consenso passivo pela mudança de regime (parlamentarismo) ou de governante (impeachment ou remoção do cargo por alguma mirabolância).
Não defendo aqui que a vida devesse seguir com festa na rua e bailes da terceira idade a vontade: apenas transmito o espírito da constituição de que interromper essas atividades (que implica na suspensão do sagrado direito de ir e vir, protetível via habeas corpus inclusive) cabe exclusivamente ao Poder Executivo federal sob tutela do Poder Legislativo via Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional, não sendo viável a governadores usurpar essa função e, da cabecinha deles, decretar um “Estado de Sítio Série B” válido em alguns estados e à revelia da União.
Esse tipo de medida beira a secessão.
E não à toa, a Constituição, ao tratar da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas põe entre a solução para a anormalidade e a solução para normalidade um segundo capítulo meio termo chamado Das Forças Armadas.
É onde reina o famoso e tão propalado art. 142.
Ali fala-se do uso das Forças Armadas para a garantia dos poderes constitucionais (dentre os quais se inclui o Poder Executivo) e a defesa da Pátria, sob o pálio da lei e ordem.
Sempre fui ferrenho crítico do uso banalizado do art. 142. Cheguei inclusive em muitas manifestações de rua ironizar a “turma do 142”.
Pois bem – é chegada a hora de falarmos com seriedade sobre o uso do Capítulo II ao Título V da Constituição, que faz a mediação (física, no texto constitucional, inclusive) entre estados de anormalidade na Defesa da Democracia versus os estados de normalidade (Segurança Pública) de Defesa da mesma Democracia.
Gostaria de saber se para a manutenção da lei e da ordem, governadores insistirão em usurpar funções ou, do contrário, optarão por agir como cavalheiros prudentes e sofisticados, dispondo-se a colaborar com o governo federal promovendo ações conjuntas, diálogo franco e, sobretudo, informações estratégicas sobre o estado atual da pandemia e em paralelo, acalmando a população do seu próprio estado ou, se, pelo contrário, seguirão agindo como moleques mimados violando a constituição com a ajuda de jornalistas de pés-de-barro, colocando o país sob risco de uma convulsão social permanente e duradoura que só seria solucionada por meio do art. 142 da Constituição.
Enquanto ainda não sei a resposta, recomendo que leiam os trechos citados e aproveitem bem as respectivas quarentenas bebendo bastante água, ouvindo Beethoven, lendo a Bíblia e assistindo Kimetsu no Yaiba.
Paz.
Comments are closed.