por paulo eneas
A leitura política que prevalece junto a uma parte dos apoiadorer do Governo Bolsonaro é a de que a reforma ministerial anunciada esta semana, que resultou na vinda de um dos caciques do Centrão para o coração e o núcleo do governo, é resultado de um acordo ou aliança que irá possibilitar a aprovação da PEC do voto impresso auditável.
Claro que esta hipótese não pode ser descartada, pois governar pressupõe-se firmar acordos que garantam a governabilidade, visando a implementação das propostas de governo.
É neste sentido, e somente neste sentido, que uma aliança deve ser compreendida: um acordo firmado em torno de uma pauta, que seja verbalizado publicamente, para deixar claro tratar-se de um entendimento programático e não um arranjo espúrio baseado no toma-lá-dá-cá, prática esta que sempre foi condenada pelo então deputado Jair Bolsonaro.
No caso do voto impresso auditável, trata-se de um dos itens do programa de governo aprovado nas urnas na última eleição presidencial, de modo que é razoável que o governo venha firmar um acordo para garantir sua implementação. Mas ocorre que entre o conceito republicano de aliança e a realidade das relações políticas entre o Governo Bolsonaro e o Centrão vai uma grande diferença.
Desde que iniciou-se esta aproximação com o Centrão, o que temos visto é o governo ceder e fazer todo tipo de concessão, inclusive concessão programática no que diz respeito às políticas governamentais, sem receber nada em troca.
Desde o início das relações com Centrão, este bloco fisiologista tem ocupado espaços e posições crescentes no governo, sem que isso se traduza em garantia de governabilidade e de implementação do programa de governo. Este, por sua vez, tem apenas cedido às exigências do Centrão, com a demissão dos antigos ministros da Educação, das Relações Exteriores e do Meio Ambiente.
Portanto, o que está claro para qualquer analista honesto é que a relação do governo com o Centrão não é de aliança, mas sim de chantagem. Uma chantagem na qual o governo cede a cada exigência apenas para garantir que não será supostamente derrubado, até que uma nova exigência seja apresentada mais tarde.
Uma relação desta natureza não é de aliança: é uma relação entre chantageador e chantageado.
O Centrão exigiu a Casa Civil, a pasta mais importante do governo. Mais do que isto, exigiu que a pasta fosse destinada a um político que historicamente ligado ao petismo e que já insultou caluniosamente o presidente, chamando-o de genocida. Parte da direita quer acreditar que esta exigência foi na verdade uma propositura de acordo, em troca da aprovação do voto impresso auditável.
Se isto for verdade, por que então os termos deste acordo não foram verbalizados publicamente? Porque o Centrão não veio a público anunciar seu apoio e endosso à PEC do voto impresso auditável? O mesmo poderia ser feito pelo próprio presidente, anunciando que a vinda do Centrão para dentro do governo resultou de um acordo em torno desta e de eventualmente outras pautas.
Mas não vimos nada disso até o momento. Portanto, é razoável supormos, com base no histórico das relações recentes do governo com o Centrão, que não estamos diante de um acordo em torno do voto auditável, mas sim diante de mais uma chantagem, onde a única coisa que o governo irá “ganhar” com a vinda do Centrão é a possibilidade de continuar existindo, até que a próxima chantagem seja apresentada.
A evidência disso é que, após o anúncio da vinda do Centrão para a Casa Civil, o próprio Presidente Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira (23/07) em uma entrevista de rádio que se a PEC do voto impresso fosse colocada em votação hoje na comissão especial da Câmara dos Deputados que a analisa, a proposta seria derrotada.
Portanto, a fala do presidente revela por si só que a vinda do Centrão para o núcleo do governo não representa um acordo que garanta a aprovação do voto impresso auditável. A vinda representa, isto sim, mais um capítulo da novela de chantagem a que o presidente é submetido pelo Centrão. Uma chantagem que parte da direita se recusa a ver para, em vez disso, enxergar nela uma estratégia imaginária.