por paulo eneas
A data de 19 de fevereiro de 2021 irá assinalar o dia em que a liberdade de expressão de todos os brasileiros foi efetivamente banida do Brasil, juntamente com as prerrogativas de imunidade dos parlamentares. A data assinala o dia em que o parlamento brasileiro confirmou a prisão de um parlamentar pelo inexistente crime de opinião, o que torna esse parlamentar um preso político, uma vez que ele não cometeu crime algum previsto no código penal. Trata-se de uma prisão política chancelada pelo parlamento.
Ao referendar a prisão ilegal do deputado Daniel Silveira, os 364 parlamentares que votaram sim ao esdrúxulo e tecnicamente inaceitável relatório da deputada Magda Mofatto, assinaram também a renúncia às sua próprias prerrogativas constitucionais, e passaram a aceitar que o parlamento brasileiro doravante passe a ser tutelado por outro poder, jogando por terra o já quase inexistente preceito constitucional da harmonia e independência entre os três poderes.
Arthur Lira teve papel central no suicídio político do Parlamento
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, despenhou papel central na decisão tomada pela casa, pois a pré-disposição para a sujeição do parlamento ficou evidenciada antes mesmo da votação, nas palavras iniciais do presidente da Câmara dos Deputados.
Ao abrir a sessão, o Arthur Lira falou de uma imaginária “tolerância” que existiria entre todos os deputados em relação a maneira pela qual cada um exerce suas prerrogativas previstas no Art. 53 da Constituição Federal, a que garante a imunidade parlamentar.
Mas logo em seguida o próprio Arthur Lira declarou cinicamente que “acima de todas as inviabilidades [do mandato parlamentar] está a inviolabilidade da democracia”. Foi a senha retórica para dizer que o Câmara iria cometer o suicídio político de abrir mão das prerrogativas e imunidades de seus membros e iria ela, também, rasgar a Constituição Federal. E o fez.
Arthur Lira reforçou ainda mais sua posição ao afirmar também que o que estava em discussão não era a inviolabilidade do mandato parlamentar, mas sim até que ponto a inviolabilidade do mandato de cada parlamentar pode ser considerada quando ela supostamente fere a democracia. Esta fala do presidente da Câmara, por si só, já seria suficiente para dispensar a votação e chancelar a prisão ilegal de Daniel Silveira.
A partir desta retórica oca, desprovida de qualquer liame com o que diz taxativa e explicitamente o texto constitucional sobre esta matéria, ficou claro que o próprio chefe do Poder Legislativo já havia endossado sub-repticiamente a decisão da justiça de ignorar a imunidade parlamentar e mandar prender um integrante da Câmara dos Deputados por conta de uma opinião que este integrante havia emitido.
Arthur Lira prometer rever inviolabilidade parlamentar
Um pouco antes do início das falas dos demais deputados, Arthur Lira informou a criação de uma comissão para propor alterações legislativas visando regulamentar o Art. 53 da Constituição Federal. Ocorre que o texto constitucional não prevê a necessidade de regulamentação deste artigo, uma vez que ele trata do princípio fundamental da inviolabilidade do mandato parlamentar.
O presidente da Câmara ainda afirmou que a falta de regulamentação deste artigo estaria levando a atritos que estariam trincando uma imaginária e inexistente “relação de alto nível” entre os poderes Legislativo e Judiciário.
Obviamente isto está longe da realidade, pois a relação entre estes poderes é de outra natureza, principalmente considerando que parcela expressiva dos parlamentares brasileiros é investigada ou responde a processos na justiça. Portanto, esta relação está longe de ser de “alto nível”. Além disto, o que observamos nos últimos anos na relação entre estes dois poderes é a constante usurpação das prerrogativas de um pelo outro, por conta do ativismo judicial.
Ao atribuir à inviolabilidade parlamentar a responsabilidade por eventuais atritos entre estes dois poderes, Arthur Lira promove simplesmente uma inversão de papeis, cujo resultado líquido será, como já foi na prática, a relativização e o rebaixamento da imunidade dos parlamentares.
Para coroar o processo de submissão, no decorrer dos debates, o deputado Arthur Lira advertiu os demais parlamentares a respeito do que “iriam falar na tribuna”. A mesma tribuna do parlamento que deveria ser o símbolo do exercício pleno da prerrogativa da imunidade e inviolabilidade parlamentar.
Provavelmente foi a primeira vez na história do Brasil que parlamentares foram advertidos pelo próprio chefe do parlamento a respeito do que iriam dizer. O resultado final da votação não surpreendeu: toda a esquerda e parte da base governista formada pelo Centrão votou pela manutenção da prisão ilegal de Daniel Silveira.
Os 364 votos em favor desta prisão ilegal são o retrato de uma submissão, de um auto-chincalhamento e, fundamentalmente, de uma covardia de uma parcela do parlamento brasileiro que demonstrou, mais uma vez, estar em completo descompasso com os anseios e expectativas do povo brasileiro.
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