por paulo eneas
A indicação de André Mendonça para a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal subiu no telhado, e existe a possibilidade de que sua indicação morra no nascedouro, antes mesmo da sabatina no Senado Federal. Se isso acontecer, terá sido a primeira vez na história que um nome indicado pelo Presidente da República para compor a suprema corte do país terá sido “cancelado” de antemão.
Trazido ao presidente ainda no início do governo pelas mãos de Flávio Bolsonaro, André Mendonça pautou toda sua atuação visando uma vaga na suprema corte. Tirando o fato de ser evangélico, o atual postulando a magistrado da corte máxima não possui qualquer vínculo com o que podemos chamar de campo político conservador brasileiro.
Em sua passagem pela Advocacia Geral da União, André Mendonça endossou um dos primeiros inquéritos que foram abertos contra os apoiadores do presidente, e que deu origem à sequência de outras iniciativas judiciais que resultaram em perseguições, buscas, apreensões e prisões que persistem até hoje.
Nunca em momento algum André Mendonça sequer manifestou-se a respeito desses episódios em defesa dos apoiadores de seu chefe. Estando no Ministério da Justiça, André Mendonça calou-se e não tomou qualquer medida na alçada de sua pasta para impedir todo tipo de violência e atentados contra os direitos civis básicos dos cidadãos que ocorreram por todo o país a pretexto da pandemia:
Em várias cidades do país, pessoas comuns, incluindo mulheres e idosos, foram agredidas nas ruas e praças por guardas municipais, comerciantes foram presos e algemados pelo “crime” de trabalhar, e a censura desenfreada instalou-se nas redes sociais contra qualquer abordagem da pandemia que fugisse à narrativa mainstream.
André Mendonça assistiu a tudo isso passivamente sem tomar qualquer atitude. Sua omissão e inação foram calculadas, uma vez que seu objetivo era mostrar-se como um nome palatável e aceitável para o establishment político e jurídico para ocupar a vaga que seria aberta na suprema corte.
O jogo político envolvendo as indicações para a suprema corte
As duas vagas que foram abertas na suprema corte foram loteadas da seguinte maneira: uma vaga foi destinada ao Centrão, com endosso do ministro Gilmar Mender, e foi materializada na indicação de Kassio Nunes, cujo nome foi aprovado sem dificuldades. A outra vaga foi destinada ao esquema político comandado pelo PT e endossada pelo ministro Dias Toffoli. André Mendonça foi indicado dentro deste segundo arranjo.
Nenhum desses dois nomes é de fato uma “indicação do presidente”, por conta dos supostos méritos dos indicados, seja este mérito o fato de ser CAC ou por ser terrivelmente evangélico. O mérito de cada indicado decorre do fato de serem nomes respaldados pelo real esquema de poder no país, e o presidente apenas chancelou as escolhas feitas por estas forças políticas do establishment.
Senão, que justificativa haveria para o presidente indicar “espontaneamente” um Kassio Nunes ou um André Mendonça, que recebeu uma alcunha não muito elogiosa nas redes sociais justamente pela sua falta de pulso e firmeza de convicções demonstradas nestes quase três anos?
Ocorre que por alguma razão ligada ao enfraquecimento político do presidente em período recente, enfraquecimento este acentuado após os desdobramentos do 7 de setembro e com a entrada de Michel Temer na cena política, o Centrão aparentemente resolveu não seguir o combinado.
Afinal, por que o centrão concordaria em ceder uma vaga na suprema corte para o bloco político que está na posição confortável de ser oposição ao governo, enquanto o Centrão se “sacrifica” ocupando cargos e posições na máquina para garantir a a suposta governabilidade, ainda que esta garantia se traduza na prática em um exercício de chantagem permanente contra o presidente usando a arma do impeachment?
A partir deste ponto, o nome de André Mendonça empacou de vez. Pode ser que venha a desempacar, mas poderá igualmente ser descartado. Seja como for, quem vai dar a palavra final é o Centrão, mas agora tendo Michel Temer, e por extensão o MDB e parte do PSDB, como players a serem considerados.
Diante deste quadro, o que faz a base governista? A base seguramente vai sair na defesa do “nosso Mendonça”, por acreditar que é o nome terrivelmente evangélico indicado por Jair Bolsonaro e quem sem dúvida alguma merece ir para o STF por ser um “conservador”.
A base irá ignorar por completo que na verdade se trata de um nome respaldado por Dias Toffoli, por Zé Dirceu e pela tropa da choque dos senadores oposicionistas da CPI da Covid. Mas isto dificilmente será verbalizado nas redes sociais pelos influencers bolsonaristas, pois é o tipo de conteúdo que não gera muitos views nem muitos likes.