por paulo eneas
O Presidente Bolsonaro informou durante sua live desta quinta-feira (18/03) que o Governo Federal, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra os decretos de três governadores (Bahia, Rio Grande do Sul, e Distrito Federal) contendo medidas restritivas a pretexto combater a pandemia do vírus chinês, incluindo o toque de recolher.
Em sua fala durante a live de quinta-feira, o presidente afirmou que o toque de recolher está circunscrito ao Estado de Defesa e Estado de Sítio, os quais somente podem ser decretados pelo próprio presidente. Afirmou também que a iniciativa visa “restabelecer a ordem”, conforme estamos defendendo aqui no Crítica Nacional, além de procurar estabelecer a harmonia entre os poderes.
Em que pese a intenção inegavelmente correta e justa do Presidente Bolsonaro ao anunciar a medidas, a Ação Direta de Inconstitucionalidade contém uma série de problemas, riscos, insuficiência técnica da peça em si, e erros de estratégia política que podem resultar em um resultado adverso daquele esperado pelo presidente e pela quase totalidade do brasileiros diante do estado de ilegalidade e desordem reinante no país.
Antes de analisar estes aspectos, cumpre observar que a menção feita pelo próprio presidente ao toque de recolher contém uma imprecisão: a Constituição Federal não prevê em hipótese alguma o toque de recolher, que constitui-se na prática em uma prisão domiciliar administrativa coletiva, mesmo sob a vigência do Estado de Sítio(*). Portanto, toque de recolher é um conceito estranho ao nosso ordenamento jurídico e jamais poder ser decretado, sob hipótese alguma.
A ação impetrada pela AGU é tecnicamente frágil
A Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Advocacia Geral na União junto ao Supremo Tribunal Federal é tecnicamente frágil e poderia muito bem ser recusada de pronto por impropriedade. As vinte e quatro páginas do documento, que pode ser visto na íntegra neste link aqui, não fazem qualquer menção a artigos da Constituição Federal que estariam em tese sendo agredidos pelos decretos dos governadores que estão sendo contestados pela ação.
Uma ação direta de inconstitucionalidade significa exatamente o que o nome do recurso diz: pleitear junto à corte constitucional a inconstitucionalidade de um dispositivo infraconstitucional. Mas para isso é necessário demonstrar, na petição, quais artigos da Constituição Federal estariam sendo agredidos pelo referido dispositivo, no caso em tela, os decretos dos governadores.
Ocorre que a ação não faz menção a estes artigos. Em vez disso, ela ancora-se na Lei de Liberdade Econômica para procurar demonstrar a inconstitucionalidade de decretos estaduais, o que torna a peça tecnicamente improcedente. Chega a ser espantoso que as duas principais autoridades jurídicas de assessoramento da Presidência da República, a Advocacia Geral da União e o Ministério da Justiça, tenham cometido um erro tão primário.
A ação foi assinada pelo próprio presidente e não pelo advogado
De uma maneira inexplicável, a ação é assinada pelo Presidente da República, e não pelo advogado autor da ação, Dr. José Levi, que é o chefe da Advocacia Geral da União. Uma petição a ser apresentada à justiça, em especial junto à suprema corte, tem que ser assinada por um advogado, representando a parte interessada.
No caso, a parte interessada é a União Federal, e não a figura pessoal do presidente, representada pelo seu “advogado de ofício”, que é justamente a Advocacia Geral da União, como diz o nome órgão, por óbvio. O documento deveria, portanto, ter sido assinado pelo advogado da União, Dr. José Levi, e não pelo Presidente da República.
A assinatura do próprio presidente no documento comporta elemento de risco diante do estado de absoluta insegurança jurídica em que vive o País e diante da tentativa permanente de se construir uma narrativa, inclusive em nível internacional, imputando falsamente ao Presidente da República a responsabilidade criminal pelas mortes decorrentes da covid.
Pois diante da possibilidade bastante provável de recusa do pleito pelo Supremo Tribunal Federal (com implicações que explicamos mais abaixo), esta ação assinada pelo próprio presidente poderá ser usada pelos inimigos do País e do presidente como um suposto “elemento de prova” contra ele próprio, para acusá-lo falsamente de ter agido de modo diverso do esperado (esperado pela narrativa hegemônica) no enfrentamento à pandemia.
Novamente cabe aqui questionar como e de que maneira os auxiliares mais próximos do Presidente na área jurídica, em especial o Ministro da Justiça e o chefe da AGU, cometeram esse erro primário de sugerir ao presidente assinar uma peça jurídica falha e que poderá voltar-se contra ele próprio.
Este episódio por si reforça nossa convicção, que já expressamos inúmeras vezes aqui no Crítica Nacional, da urgente necessidade de o presidente reformular e refazer sua equipe de assessoramento jurídico mais próximo, por meio da troca do Ministro da Justiça e do chefe da AGU, que não têm se mostrado, ambos, à altura do desafio necessário para assessorar corretamente o presidente nas questões mais prementes que o País vive neste momento.
Uma estratégia político-jurídica errada
Por fim, existe um erro de estratégia política na decisão de ingressar junto ao STF com esta ação. O erro consiste em procurar a mediação de um conflito justamente onde reside a fonte deste conflito: o judiciário tomou decisões no ano passado conferindo a governadores e prefeitos o poder de tomar amplas decisões sobre a pandemia.
Estas decisões foram baseadas no conceito de competência concorrente, onde em tese a União, os Estados e os municípios compartilham competências similares para tratar de assuntos da pandemia. O que ocorreu na prática no País é que somente governadores passaram a ter o poder de fato de tomar decisões que afetam a vida de milhões de pessoas, não podendo o Governo Federal modificar tais decisões.
Cumpre lembrar, como já apontamos no artigo A Prioridade Nacional É Revogar a Lei 13.979 do Coronavírus: O Cavalo de Troia da Pandemia, publicado no Crítica Nacional no início deste mês, que muitas destas decisões judiciais vieram no encalço de ações ensejadas pela própria Lei 13.979, a Lei Mandetta-Moro do Coronavírus, sancionada pelo próprio presidente.
Existe, portanto, um vício de origem na situação que o País vive hoje e que o Governo Federal tenta sanar por meio de um instrumento errado: uma ADI tecnicamente precária encaminhada ao órgão judiciário cujas decisões prévias foram também baseadas em lei proposta pelo próprio governo e que deram origem à presente situação.
O mais provável é que a ação seja rejeitada pela suprema corte, até mesmo pela sua impropriedade técnica. Além da rejeição, a corte poderá reafirmar a legitimidade não apenas dos decretos governamentais contestados na ação, mas de todas as medidas draconianas que os governadores estão tomando para supostamente combater a pandemia.
A provável rejeição da ação e suas consequências darão aos governadores uma vantagem narrativa, pois eles poderão afirmar que as ações de restrição e de agressões a direitos que estão sendo tomadas estão legitimadas pelo judiciário, e ainda acusarão falsamente o presidente de querer obstá-las.
O que o governo precisa fazer neste momento
Já descrevemos em artigos anteriores, cujos links encontram-se abaixo, o que em nosso entender o Governo Federal precisa fazer agora para retomar as rédeas do país, e que pode ser sintetizado da seguinte maneira:
O governo precisa voltar-se para o Congresso Nacional, onde os acordos com o Centrão em tese criaram um ambiente político mais favorável ao governo. O Presidente Bolsonaro precisa chamar as lideranças do parlamento, apresentar um diagnóstico realista da situação, e um plano de ação a ser implementado pelo Governo com a aprovação Congresso Nacional ancorado nos seguintes pontos:
- Restabelecimento da lei e da ordem e dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, incluindo o direito ao trabalho e o direito de expressar opinião sobre qualquer autoridade pública.
- Um plano nacional arrojado de tratamento preventivo e precoce da covid, a ser implementado, se necessário, com suporte logístico das Forças Armadas.
- O presidente precisa comunicar às lideranças do Congresso Nacional que, com base no que determina a Constituição Federal, ele irá doravante passar a exercer plenamente todas as suas prerrogativas e obrigações institucionais, conforme previstas na Carta Magna.
- Determinar à Polícia Federal e aos órgãos de informações e inteligência do Estado uma ampla investigação sobre ilegalidades e crimes que estão sendo cometidos nos Estados por agentes públicos, e que envolvem crimes contra a vida, contra os direitos humanos, desvios de recursos públicos federais, entre outros.
Além destas medidas centrais sugeridas, o presidente necessita urgentemente ordenar a total reformulação da estratégia de comunicação do governo em relação à pandemia, pois ela tem sido desastrosa e uma das responsáveis pelas derrotas que o governo vem sofrendo no âmbito da opinião pública na guerra de narrativas em torno da pandemia.
Alguns detalhamentos sobre as medidas a serem tomadas estão mostrados em artigos anteriores do Crítica Nacional cujo links encontram-se abaixo. Agradecimentos ao Dr. Evandro Pontes pelos esclarecimentos sobre algumas questões técnico-jurídicas.
(*) Alguns artigos anteriores do Crítica Nacional também fizeram referência ao toque de recolher de modo impreciso. Estas referências estão sendo corrigidas nestes artigos.
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